“Fora dos trilhos
O Metrô de São Paulo notificou a Bombardier de que pode multá-la por atraso na entrega dos trens que vão operar o monotrilho da linha 15-Prata. A empresa ainda não enviou sua defesa formal à estatal.
A empresa canadense só entregou 3 dos 4 trens que deveria ter fornecido, um deles com atraso. Com isso, o início parcial da operação da linha ficou para maio. O temor é que a obra não fique pronta até o fim de junho, prazo da lei eleitoral para que Geraldo Alckmin (PSDB) possa inaugurá-la”
O texto tem uma pequena confusão. Ele diz que uma empresa vai multar a outra. Essa é a linguagem que usamos quando queremos dizer que a Justiça ou algum órgão da administração pública vai punir alguém que violou alguma norma penal ou administrativa. Daí dizermos que a Justiça vai obrigar os condenados no mensalão a pagarem multas, que a polícia vai obrigar o motorista pego dirigindo acima do limite de velocidade a pagar uma multa, e a Receita Federal vai obrigar o contribuinte que apresentou a declaração atrasada a pagar uma multa.
Mas o caso da matéria acima é diferente. A empresa canadense não cometeu uma infração penal ou administrativa. A alegação da empresa brasileira é que a outra empresa violou um contrato (atrasou na entrega do produto). E esse contrato previa uma multa em caso de atraso.
Logo a empresa brasileira não vai multar. Ela vai cobrar uma multa contratual.
O que parece apenas firula gramatical na verdade encobre a principal diferença entre o processo no direito civil e no direito penal, que tanto confunde os estudante de direito no início do curso.
O princípio orientador do processo no direito civil é o de reparação. Se Fulano infringe um contrato ou causa um dano a Beltrano, o processo é movido com o intuito de obrigar Fulano a colocar Beltrano na posição que este estaria se a violação de contrato ou dano não houvesse ocorrido. Se um bate no carro do outro, terá de pagar pelo reparo. Se um atrasa no pagamento do financiamento da geladeira, terá de pagar uma multa contratual.
A multa contratual serve como uma forma de ressarcimento à outra parte. Ela não é uma punição. É apenas um mecanismo de reparação previsto pelas partes no contrato (ou pela lei, em alguns casos) no momento em que entram em uma relação econômica.
Já no direito penal, a multa é um mecanismo de punição e exemplificação. Seu objetivo não é reparar o dano sofrido (isso é feito no processo civil), mas punir alguém que violou uma norma de conduta social, bem como, através dessa punição, dar um exemplo a outros potenciais delinquentes (coibição).
Por exemplo, furtar um objeto é crime punido com multa (além de prisão). Quando a Justiça pune o ladrão com uma multa penal, ela não está objetivando a reparação do dano causado pelo ladrão: ela deseja é punir o ladrão pelo dano já causado e, através disso, prevenir que outros ladrões furtem.
A confusão na matéria acima ocorre porque o Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo) é uma empresa pública e estamos acostumados a associar governo e multas penais e administrativas. Mas governos também mantêm contratos comerciais. E a multa à qual a notícia se refere está prevista em um desses contratos.